São inúmeras as perguntas que recebo sobre minhas viagens ao redor do mundo. Uma das mais populares é: qual destino eu voltaria para sempre? A resposta é simples e objetiva: a Itália. Para mim, argumentos não faltam. O país nos encanta o tempo todo, com um jeito caloroso e peculiar de nos receber e pitadas saborosas pelo caminho.
Depois de um giro por Roma e de uma paradinha estratégica na área dos Castelli Romani, segui pelo país com uma proposta diferente: conhecer o interior de carro. A Úmbria foi a região escolhida e, de resto, encontrei surpresas valiosas nos mais pitorescos cantinhos.
Considerada o coração verde da Itália, a Úmbria fica bem no centro do país, sem saída para o mar, mas com cidades medievais, colinas e florestas de sobra. Aqui, fazer desvios e cair na estrada é um convite a novas descobertas, que resultam em momentos que pedem ainda mais vinho, comida boa e história.
Para a 10ª temporada do CNN Viagem & Gastronomia, as cidades de Assis, Perúgia, Orvieto e Bagnoregio – esta última pertencente ao Lácio – entraram no meu roteiro e me revelaram muito mais do que belos destinos. Foram, na verdade, uma lição de como “se perder” — que, na maioria das vezes, já é um baita programa.
Assis: o berço de São Francisco
Quando falamos da Itália, nos referimos muito a Roma e ao Vaticano. Mas Assis, a cerca de 2h30 da capital, guarda a mesma potência religiosa e sagrada de ambos os destinos. Isso porque a cidade é o berço de São Francisco de Assis, fundador da Ordem Franciscana, no século XIII, que injetou renovações no catolicismo medieval.
O poderoso legado perdura até hoje e o santo é um dos mais venerados mundo afora. Com pouco menos de 30 mil habitantes, a cidade foi construída sobre uma colina e preserva construções da Idade Média. A Basílica de São Francisco de Assis e outros locais franciscanos são Patrimônio Mundial Cultural da Unesco.
Independente de religião e de crenças, vale a visita na localidade. Mais do que uma vontade, eu sentia um chamado para conhecer a cidadezinha, que, ao longo dos séculos, foi se tornando um importante centro religioso e espiritual – além de uma joia arquitetônica da Úmbria.
A grande atração é justamente a basílica, de entrada gratuita, que deslumbra peregrinos e viajantes do mundo todo. Trata-se de um complexo com duas igrejas na lateral da colina, em uma posição que reforça sua imponência para o resto da cidade.
A Igreja Inferior começou a ser construída em 1228, dois anos após o falecimento de São Francisco. Desde 1230, ela guarda a cripta com os restos mortais do santo, considerado o local mais sagrado do endereço. Aqui, encontramos afrescos de mestres como Cimabue, Giotto, Pietro Lorenzetti e Simone Martini.
Já a Igreja Superior, marcada pelo estilo gótico de origem francesa, abriu as portas em 1253 e foi dedicada à celebração de ritos. Seu interior possui grandes vitrais e também acomoda afrescos, que representam episódios da vida de São Francisco.
Para apreciarmos ainda mais o local, audioguias estão disponíveis, assim como visitas guiadas com um frade, que ocorre nos fins de semana e no verão mediante reserva no escritório de informações. É possível ainda visitar a biblioteca e o Museu do Tesouro, que armazenam uma riqueza imensurável de obras de arte, manuscritos medievais e objetos valiosos.
Não é permitido gravar e tirar fotos dentro do complexo, o que fortalece a sensação de oração e de recolhimento. Por isso, deixo o convite para que você também faça um desvio no roteiro pela Itália e se encante com essa maravilha histórica, religiosa e artística.
Além da basílica, o centrinho de Assis também nos reserva descobertas únicas. Uma caminhada revela lojas de souvenirs, tavernas e antiquários em meio a construções medievais, romanas e renascentistas.
A cidade ganha ainda mais charme à noite, com monumentos iluminados, boa hora para contemplar a praça central, onde fica a Torre del Popolo e o Templo de Minerva, erguido na segunda metade do século I a.C. Também vale uma passada na Basílica de Santa Clara, dedicada a Santa Clara de Assis, uma das seguidoras de São Francisco e fundadora da Ordem das Clarissas, vertente franciscana.
Perúgia: vinhos e charme

A cerca de 20 quilômetros de Assis fica Perúgia, a capital da Úmbria. A cidade segue a cartilha italiana, mergulhada em muita história, que revela camadas dos tempos etruscos, medievais e renascentistas. Ruas estreitas se misturam pelo centro, que fica no topo de uma colina.
A dica é se “perder” entre as vielas para chegar à Piazza IV Novembre, coração pulsante da cidade, onde nos deparamos com a Fontana Maggiore, que resiste desde a Idade Média, e a bela Catedral de São Lourenço, do século XV. Aqui também descansa o Palazzo dei Priori, de estilo gótico, que abriga a Galleria Nazionale dell’Umbria, com uma coleção de arte italiana dos séculos XIII ao XIX.
Para os fãs de história, vale caminhar um pouco até o Arco Etrusco, um dos principais portões da cidade que permanece em pé desde os tempos dos etruscos, sendo uma das poucas entradas originais que restaram da região. Procure também pela Rocca Paolina, fortaleza do século XVI que hoje é uma espécie de passagem que conecta partes do centro. É como andar, literalmente, dentro da história.
Se a fome bater, uma sugestão é o restaurante Il Giurista, especializado em carnes, mas que também serve criações com trufas negras na temporada. Como a comida não anda sozinha na Itália, uma boa taça de vinho é pré-requisito por essas bandas. Para isso, a Cantine Goretti é a pedida certa.
Nos arredores montanhosos da cidade, a sede da vinícola oferece degustações, visitas à cave e brindes com rótulos que traduzem bem o terroir da região.
Estamos no coração da Itália, perto do Lago Trasimeno. É um local bem específico, com uma temperatura especial que ameniza o clima, por isso o vinho é tão singular
A família Goretti cultiva uvas em diferentes áreas da Úmbria, que resultam em vinhos de denominação de origem controlada, como rótulos da Colli Perugini DOC e também da Montefalco DOCG, o mais alto nível de qualidade para os vinhos da região.
Uma torre do século XIV nos dá as boas-vindas e, na sala de degustações, somos seduzidos com uvas locais, algumas até desconhecidas do nosso vocabulário. “Podemos começar com um Grechetto 100%, que é a nossa uva local nativa, cultivada a 320 metros do nível do mar em um solo bem argiloso, por isso sentimos um cheiro frutado e um frescor”, diz Giulia.
Seu bisavô fundou uma espécie de fazenda no começo dos anos 1900 e a geração seguinte começou a produzir e a engarrafar vinhos. “O L’Arringatore é o nosso tinto mais importante. Leva 60% de sangiovese, 20% de merlot e 20% de ciliegiolo. Depois de 14 meses no carvalho francês e um longo tempo na garrafa, o resultado é um vinho único”, conta a sommelière.
Junto de queijos e embutidos, a degustação pode finalizar com chave de ouro com a abertura de um Sagrantino di Montefalco, com selo de Denominação de Origem Controlada e Garantida (DOCG).
“É um vinho muito denso, 100% de sagrantino, uma variedade bem nativa. É de uma área bem pequena, chamada Montefalco, com muito vento e um microclima completamente diferente do daqui. A terra é muito mais seca e pedregosa”, explica Sara Goretti, a proprietária. Um brinde à Itália!
A viagem não acabou: Orvieto e Bagnoregio
O giro pelo interior da Itália de carro merece o máximo de destinos que conseguirmos encaixar no roteiro. Por isso, as cidades de Orvieto e de Bagnoregio, ainda mais próximas de Roma, entraram nas minhas andanças pelo país.
Distante cerca de 1h30 de Roma, Orvieto nos presenteia com paisagens deslumbrantes dos campos de ciprestes da Úmbria. Extremamente preservada, todos os cantinhos emanam história. Ela é bem pequena e tudo pode ser feito a pé.
A cidade exibe história desde os tempos dos etruscos e esbanja trattorias deliciosas, vinhos locais, um dos duomos mais lindos do mundo e uma rede de passagens subterrâneas. É uma das joias da Úmbria.
Já Bagnoregio, pertencente ao Lácio, tem uma particularidade inigualável: é lar da Civita di Bagnoregio, vila de 10 habitantes que está desaparecendo do mapa.
A cerca de 120 quilômetros de Roma, ela fica no topo de uma colina acometida pela ação da erosão. Rodeada por vales, se tornou um pedaço de terra isolado ao longo dos séculos, ligada à cidade irmã por uma passarela de pedestres. É de ficar na memória.






























