Defesa diz que não há provas contra Bolsonaro e o compara a Dreyfus

Os advogados de Bolsonaro disseram que não há qualquer prova de que o presidente participou ou ordenou atos violentos como os ataques de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas depredaram as sedes dos Três Poderes, ou os planos Punhal Verde Amarelo e Copa 2022 que, segundo a PGR, visavam matar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Moraes.

“Bolsonaro não tem absolutamente nada com Copa 2022, Punhal Verde e Amarelo e 8 de janeiro. Absolutamente nada”, argumentou o advogado Celso Vilardi.

Com essa argumentação, a defesa tenta afastar as acusações de que Bolsonaro teria cometido crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, já que a lei que tipifica esses delitos prevê que ambos são cometidos “com emprego de violência ou grave ameaça”.

A PGR, por sua vez, diz que Bolsonaro tinha ciência dos planos para matar autoridades e autorizou sua execução, citando como prova o fato de o plano Punhal Verde e Amarelo ter sido impresso em 9 de novembro de 2022 no Palácio do Planalto, pelo general Mario Fernandes, então secretário executivo da Secretaria-Geral da Presidência, e depois levado para o Palácio da Alvorada, então residência de Bolsonaro.

A acusação também diz que o ex-presidente instigou os atos de 8 de janeiro e que a tentativa de golpe já estaria em curso quando Bolsonaro se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para debater possíveis medidas de exceção, como decretação de Estado de Defesa ou de Sítio no país.

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Bolsonaro admite que realizou essas reuniões, mas diz que as medidas cogitadas estariam “dentro das quatro linhas da constituição” e não foram levadas adiante.

Seus advogados negam qualquer intenção golpista do ex-presidente, mas levantaram um argumento jurídico contra sua condenação: a defesa diz que essas reuniões poderiam ser tratadas, no máximo, como “ato preparatórios” para crimes, não podendo, pela legislação brasileira, levar a condenações.

“Essa é uma consideração de caráter estritamente subsidiário para que não se diga que o ex-presidente pretendeu cometer algum crime e simplesmente retornou”, disse Paulo Bueno, que também integra a defesa de Bolsonaro.

“A luz do artigo 15 do Código Penal, quem desiste voluntariamente do início do delito responderá apenas pelos atos já praticados”, continuou.

Advogados de Bolsonaro leem papéis no STF

Crédito,Rosinei Coutinho/STF

Legenda da foto,Advogados de Bolsonaro dizem que não há provas contra ex-presidente

Para Bueno, como não há provas contra Bolsonaro, sua condenação seria uma injustiça similar ao caso de Alfred Dreyfus, condenado por supostamente repassar segredos militares franceses para os alemães. Apoiadores e familiares protestaram, na época, contra a condenação alegando que um dos fatores por trás dela era o fato de que ele era judeu.

“A absolvição do presidente Bolsonaro é imperiosa para que não tenhamos a nossa versão do caso Dreyfus”, disse ainda Bueno.

Em julho de 1906, a Suprema Corte francesa interveio e Alfred Dreyfus foi considerado inocente, readmitido no exército e condecorado com a Legião de Honra. O caso, porém, abalou profundamente a confiança dos franceses nas suas instituições e na sua justiça.

A historiadora Lilia Schwarcz criticou a comparação, argumentando que o processo contra Bolsonaro é baseado em provas, que, à diferença de Dreyfus, ele nao é parte de nenhum grupo social vítima de preconceito e que o pano de fundo do escândalo da França era bem diferente daquele do Brasil atual.

Defesa de Heleno crítica Moraes como ‘juiz inquisidor’

A defesa do general Augusto Heleno, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro, criticou a atuação de Moraes na condução dos depoimentos de testemunhas e interrogatório dos réus.

Segundo o advogado Matheus Milanez, o ministro fez 302 perguntas aos oito réus interrogados, enquanto a PGR fez 59.

Milanez citou como exemplo uma pergunta feita por Moraes sobre uma postagem nas redes sociais pela testemunha Waldo Manuel de Oliveira Assis, que não constaria nos autos do processo.

“Ou seja, nós temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público não fez isso? Qual o papel do juiz julgador? Ou é um juiz inquisidor?”, questionou o advogado.

Ele também pediu a nulidade do processo, argumentando que teria sido violado o direito ao silêncio do general Heleno.

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O advogado ressaltou que Moraes leu suas perguntas, para que ficassem registradas no processo, ainda que Heleno tenha dito que responderia apenas às perguntas de seu advogado no interrogatório.

Ele ressaltou ainda que a PGR não registrou perguntas, em contraste com a postura de Moraes.

A criminalista Marina Coelho Araújo, professor a Insper, deu razão ao advogado.

Segundo ela, o sistema penal brasileiro, chamado de sistema acusatório, prevê que o juiz responsável pela condução de um processo não pode ajudar a produzir provas para a acusação e nem para a defesa.

“O juiz tem que ficar equidistante das partes. Quem tem que produzir a prova da acusação é a acusação, quem tem que produzir a prova da defesa é a defesa, para que o juiz mantenha essa imparcialidade”.

“No sistema acusatório, não é autorizado ao juiz que faça esse tipo de prova, além do que a própria acusação fez. E é isso que aconteceu no caso efetivamente.”

Já a advogada criminalista Juliana Bertholdi, professora na pós-graduação da PUC do Paraná, também considera que o sistema penal brasileiro prevê um afastamento do juiz em relação às partes do processo.

Por outro lado, ela ressalta que o Código de Processo Penal, da década de 1940, anterior à Constituição de 1988, prevê que o juiz inicia os interrogatórios.

“Fato é que a estrutura do interrogatório é com o início de perguntas realizadas pelo magistrado, de sorte que esse fato por si não me chama a atenção, não me parece ser um argumento suficiente para colocar em xeque esta posição do julgador”, afirma.

Advogado de Heleno fala no STF

Crédito,Gustavo Moreno/STF

Legenda da foto,“Nós temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas”, disse advogado de Heleno

Réus tentam se afastar de atuação de Bolsonaro

Outro destaque do segundo dia de julgamento foi a tentativa de alguns réus de se afastar da atuação do ex-presidente, tentando se distanciar das acusações de envolvimento em uma tentativa de golpe.

Defensor do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, o advogado Andrew Fernandes Farias disse que seu cliente é inocente e atuou para demover Bolsonaro.

A ministra Cármen Lúcia pediu, então, que ele esclarecesse do que o general tentou demover o então presidente.

“Demover de adotar qualquer medida de exceção, atuou ativamente”, respondeu o advogado de Nogueira.

Já o advogado do general Augusto Heleno, Matheus Milanez, argumentou que seu cliente e o então presidente Bolsonaro se afastaram ao longo do governo.

Como exemplo, ele cita trecho de uma agenda de Heleno apreendida na investigação em que o general registrou que havia aconselhado Bolsonaro a se vacinar contra a covid-19.

Para Milanez, esse é um exemplo que contradiz a tese da acusação de que Heleno era um grande influenciador e conselheiro do então presidente.

O advogado ainda defendeu a ideia de que o general perdeu espaço no governo Bolsonaro após aproximação do ex-presidente com os partidos de centro do Congresso. Segundo Milanez, esse afastamento do seu cliente provaria que ele não esteve envolvido na trama golpista.