Monika Ertl

Monika Ertl, a alemã que vingou Che Guevara

publicidade

Por Rodrigo Rodrigues

Em 1º de abril de 1971, em plena Guerra Fria, um assassinato em Munique sacudiu o mundo diplomático e despertou ecos da revolução latino-americana. O cônsul boliviano na Alemanha Ocidental, Roberto “Toto” Quintanilla Pereira, foi morto com três tiros à queima-roupa em seu escritório. O crime, que parecia um ato isolado, logo ganhou contornos simbólicos: tratava-se de um acerto de contas com a história. A autora era Monika Ertl, uma alemã que havia se tornado guerrilheira na Bolívia e, segundo os registros da época, executara o homem responsável pela captura e morte de Ernesto “Che” Guevara.

A filha do cineasta nazista

Monika nasceu em Munich, em 1937, filha do cineasta Hans Ertl, famoso por suas produções de propaganda durante o regime de Adolf Hitler e colaborador próximo de Leni Riefenstahl, diretora oficial do Terceiro Reich. Cresceu em meio à elite cultural e militar alemã, mas, após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra, o pai foi acusado de colaboração com o nazismo e partiu com a família para a Bolívia, em 1953, buscando um novo começo.

Na América do Sul, Hans Ertl se reinventou como documentarista de natureza, e Monika, jovem aventureira, o acompanhava em expedições pela selva e pelos Andes. Era loira, de olhos azuis e espírito livre — uma figura improvável no universo camponês e indígena da Bolívia. Mas ali, em meio às contradições do exílio e das desigualdades latino-americanas, ela começou a mudar.

Do altiplano à revolução

Nos anos 1960, a Bolívia fervilhava com ecos da revolução cubana e do pensamento marxista. Foi nesse cenário que Monika se aproximou do Exército de Libertação Nacional (ELN), grupo guerrilheiro fundado por Che Guevara em sua tentativa de levar a revolução à América do Sul.

Leia Também:  México realiza primeira eleição judicial em meio a preocupações com reforma

Após a morte de Che, em 1967, nas selvas de La Higuera, o ELN se reorganizou sob a liderança de Inti Peredo, um dos sobreviventes da guerrilha. Monika, já militante, tornou-se companheira de Inti — e a morte dele, em 1969, durante uma operação militar, acendeu nela a chama da vingança.

O ódio tinha nome e rosto: Roberto “Totó” Quintanilla, então oficial do Exército boliviano e homem encarregado da prisão, execução e mutilação de Che Guevara. Quintanilla, após o episódio, exibia-se com orgulho: chegou a tirar uma foto ao lado do corpo do guerrilheiro morto, gesto que se tornaria símbolo da vitória militar e da derrota do mito revolucionário.

A execução em Munique

Em 1971, Quintanilla era cônsul da Bolívia em Munique, uma tentativa do governo boliviano de afastá-lo das tensões políticas na América do Sul. Mas Monika o encontrou. Sob a identidade falsa de “Maria Consuelo”, ela conseguiu um encontro com o diplomata no consulado.

Quando ele abriu a porta de sua sala, Monika sacou uma pistola e atirou três vezes. Um dos tiros atingiu o coração. Antes de fugir, deixou uma nota com as iniciais do ELN, assinando o ato como um “ato de justiça revolucionária”.

A imprensa europeia ficou atônita: uma mulher loira, educada, filha de um ex-colaborador nazista, havia vingado o guerrilheiro comunista mais icônico do século XX. A operação ganhou o apelido de “A Vingança de Che”.

A caçada e o desaparecimento

Após o atentado, Monika fugiu da Alemanha e voltou clandestinamente à Bolívia, auxiliada por redes de esquerda e grupos de exilados latino-americanos. O governo boliviano, em cooperação com a CIA e com os serviços de inteligência alemães, iniciou uma caçada implacável.

Leia Também:  IOF: Moraes suspende atos do governo e do Congresso, e convoca conciliação

Em 1973, segundo documentos da época, Monika Ertl foi localizada e morta em uma emboscada militar na região de Santa Cruz de la Sierra. O corpo jamais foi oficialmente apresentado. Há quem diga que foi executada sumariamente, outros acreditam que foi capturada viva e torturada antes de morrer.

O silêncio de Hans Ertl

O pai de Monika, Hans, que vivia recluso em sua fazenda chamada “La Dolorida”, jamais falou publicamente sobre a filha. Até sua morte, em 2000, manteve-se dividido entre o orgulho e o luto. Em entrevistas raras, dizia apenas:

“Monika escolheu outro caminho. Um caminho que não posso julgar, apenas compreender.”

O símbolo

Monika Ertl se tornou um mito dentro da esquerda latino-americana e europeia. Para uns, foi uma heroína da justiça poética; para outros, uma assassina movida por fanatismo ideológico. Mas sua história permanece como uma das mais improváveis e cinematográficas interseções entre o nazismo, o exílio e a revolução comunista.

Na frieza dos arquivos, seu nome está ligado a um único ato. Mas para a história, Monika foi mais do que uma executora: foi o elo humano entre os fantasmas do século XX — filha do fascismo, discípula da revolução, e mulher que cruzou oceanos para vingar um mito.

 

“Ela não matou apenas um homem”, escreveu o jornalista alemão Jürgen Schreiber décadas depois. “Matou um símbolo do poder que esmagou os sonhos de uma geração. E ao fazer isso, transformou-se em outro símbolo — o da vingança política travestida de justiça histórica.”

COMENTE ABAIXO:

Compartilhe essa Notícia

publicidade

publicidade