Aviação Brasileira

Aviação executiva decola no Brasil enquanto setor comercial enfrenta turbulência

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Por Rodrigo Rodrigues

Com passagens cada vez mais caras e empresas aéreas em dificuldades, cresce o mercado de jatinhos, táxis aéreos e fretamentos de luxo no país. Especialistas alertam para a desigualdade crescente nos céus brasileiros.

O céu brasileiro parece dividido em duas camadas bem distintas. Enquanto a aviação comercial enfrenta uma das maiores crises de sua história, com passagens cada vez mais inacessíveis, cancelamentos frequentes e empresas operando no vermelho, a aviação executiva — jatos particulares, helicópteros e serviços de táxi aéreo — registra crescimento recorde no Brasil.

De acordo com dados da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), o número de operações de aviação executiva aumentou mais de 30% entre 2020 e 2024. A alta procura por mobilidade privada ganhou fôlego com a pandemia e consolidou-se com o aumento da concentração de renda e a deterioração da malha aérea comercial.

“Hoje, temos empresários, políticos, artistas e até médicos usando aviação executiva para fugir do caos dos aeroportos comerciais. O setor se adaptou, e agora até pequenas empresas oferecem cotas de voo e modelos de compartilhamento”, afirma Renata Mello, diretora da Associação Brasileira de Aviação Geral (ABAG).

O contraste nos aeroportos

Enquanto Congonhas e Santos Dumont registram filas, atrasos e aumento nos preços das tarifas, aeroportos voltados à aviação executiva, como o Campo de Marte (SP), estão em plena expansão. Hangaragens lotadas, novas pistas sendo reformadas e até terminais exclusivos estão sendo projetados para atender essa clientela premium.

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Segundo levantamento da empresa de consultoria Bain & Company, a frota de jatos executivos no Brasil cresceu 18% nos últimos três anos, o maior salto desde a década de 1990. Ao mesmo tempo, as três maiores companhias aéreas do país enfrentam dificuldades financeiras severas, operando com margens negativas e sem capital para renovar frotas ou expandir rotas.

Passagens cada vez mais caras

Entre janeiro de 2022 e maio de 2025, o preço médio das passagens aéreas comerciais aumentou 46%, segundo dados do IBGE. Em alguns trechos curtos, como São Paulo–Rio de Janeiro, o valor de uma passagem pode ultrapassar os R$ 1.500 em horário de pico.

“O problema não é só o preço alto, é a instabilidade: voos cancelados, overbooking, falta de serviço de bordo, e uma experiência cada vez mais degradante”, diz o economista e especialista em transporte aéreo Gustavo Ferreira. “Isso afasta a classe média e impede a inclusão aérea, que avançou nos anos 2000, mas hoje regride rapidamente.”

Crise estrutural

As companhias aéreas comerciais apontam a alta do dólar, o custo dos combustíveis (como o querosene de aviação) e a elevada carga tributária como causas principais das dificuldades. Além disso, o modelo de negócio baseado em volume e ocupação está fragilizado diante da redução do poder de compra da população e da concentração de rotas em poucos hubs.

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Hoje, temos menos voos regionais, menos opções e tarifas flutuando ao sabor do mercado. A aviação comercial está cada vez menos acessível”, afirma o diretor de uma companhia aérea que prefere não se identificar.

O voo do privilégio

Com a aviação executiva em alta, empresas como Flapper, Avantto e Icon têm se beneficiado oferecendo modelos de “carona aérea” para empresários de médio porte, além de serviços sob demanda para trajetos rápidos em cidades como São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Há até aplicativos que permitem dividir um helicóptero como quem chama um carro de aplicativo.

O Brasil está criando um abismo aéreo: quem pode, voa no luxo com hora marcada e serviço personalizado. Quem não pode, enfrenta a precarização, ou simplesmente desiste de voar”, resume a socióloga Juliana Bezerra, que pesquisa desigualdades no acesso ao transporte

Futuro: inclusão ou exclusão aérea?

O cenário é preocupante. A aviação deveria ser um vetor de integração nacional, conectando cidades, fomentando negócios e encurtando distâncias continentais. No entanto, com o avanço da aviação executiva e a crise da aviação comercial, o Brasil corre o risco de transformar seus céus em mais um reflexo de sua profunda desigualdade social.

A esperança de democratização do transporte aéreo, tão celebrada no início dos anos 2000, agora parece cada vez mais distante no horizonte.

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